PARQUES URBANOS: UENO PARK, TÓQUIO

PARQUES URBANOS: UENO PARK, TÓQUIO

Nosso passeio pela série Parques Urbanos desembarca em Tóquio. Entre trens-bala e letreiros de néon, o Ueno Park oferece aquela pausa necessária — sombra, lago, museus e templos no mesmo circuito. Criado em 1873 e oficialmente batizado Ueno Onshi Kōen (“parque doado pelo imperador”) após a transferência feita em 1924, o parque ocupa ≈538 mil m² e fica a poucos passos da estação Ueno. É um clássico japonês: organização impecável e beleza que muda com as estações.

Onde tradição e modernidade caminham juntas

Por baixo das cerejeiras, há história. O parque nasceu no terreno do antigo Templo Kan’eiji, fundado no século XVII para proteger espiritualmente a capital do antigo Xogunato Tokugawa. Durante o período Edo, o templo era um dos mais importantes centros religiosos de Tóquio e abrigava um complexo com mais de trinta edifícios, entre pagodes, portais e salas de oração. Boa parte dessa estrutura foi destruída durante a Guerra de Boshin (1868–1869), conflito que marcou o fim do Japão feudal e a chegada da era moderna.

Foi nesse cenário de transformação que surgiu o Ueno Onshi Kōen, em 1873, um dos primeiros parques públicos do Japão, criado sob influência dos modelos europeus que o imperador Meiji quis trazer para a nova capital. O espaço, antes reservado à nobreza e aos monges, tornou-se um símbolo de abertura e democratização, acessível a todos os cidadãos — algo revolucionário para a época.

O apelido de “presente imperial” veio em 1924, quando o parque foi oficialmente doado à cidade de Tóquio pela Casa Imperial, consolidando seu papel como área pública de convívio. Desde então, o Ueno Park passou a refletir o equilíbrio entre tradição e modernidade: templos históricos convivem com museus futuristas, e o silêncio dos santuários contrasta com o burburinho de crianças, turistas e artistas de rua. As trilhas planas, as esplanadas largas e a sinalização bilíngue traduzem a vocação inclusiva do lugar — um ponto de encontro onde moradores e viajantes se misturam sem pressa, como se o tempo ali fluísse em outro ritmo.

Em cada esquina, o visitante percebe a habilidade japonesa de integrar passado e presente sem ruptura. Um olhar para cima revela as lanternas de pedra e os telhados curvos dos templos; um passo adiante, surgem esculturas modernas, cafeterias e exposições de arte. Essa convivência harmoniosa é o que faz do Ueno Park uma miniatura da própria Tóquio — uma cidade onde a tradição nunca envelhece e a modernidade nunca esquece de onde veio.

Hanami: quando Tóquio para para olhar as flores

Na virada de março para abril, o Ueno Park vira palco de hanami — o ritual japonês de apreciar as flores de cerejeira, conhecidas como sakura. São cerca de 1.200 árvores, segundo o governo metropolitano, formando um corredor rosado que domina a alameda central. Piqueniques se espalham pelos gramados, linternas de papel iluminam as noites, e a cidade inteira parece desacelerar por alguns dias para observar o espetáculo da natureza. É o Japão lembrando, de forma silenciosa e poética, que toda beleza é também passageira.

Durante o hanami, famílias, amigos e colegas de trabalho se reúnem sob as árvores, muitas vezes desde as primeiras horas da manhã, para garantir um bom lugar. Há música, comidas típicas, tapetes coloridos e um sentimento coletivo de celebração que mistura alegria e nostalgia — afinal, o desabrochar das flores marca também o início de um novo ciclo. A efemeridade das sakura, que duram pouco mais de uma semana, carrega um simbolismo profundo na cultura japonesa: representa o mono no aware, expressão que traduz a consciência da impermanência das coisas e a beleza que existe justamente por elas não durarem.

Além de ser um evento cultural, o hanami movimenta toda a economia sazonal da cidade. O parque ganha uma iluminação especial à noite, restaurantes e lojas vendem versões temáticas de doces e bebidas com flor de cerejeira, e até os trens decoram suas estações com painéis cor-de-rosa. O Ueno Park torna-se, assim, um ponto de encontro entre gerações e uma vitrine da sensibilidade japonesa — onde o que está em cena não é apenas a natureza, mas a forma como o povo a observa: com respeito, encantamento e quietude.

Um museu a céu aberto (literalmente)

Crédito da imagem: Museu Nacional de Tóquio (Tokyo National Museum) / reprodução: japan-guide.com

Poucos parques concentram tanta cultura no mesmo quarteirão. O Tokyo National Museum exibe a arte e os tesouros do arquipélago; ao lado, o National Museum of Western Art ocupa um prédio de Le Corbusier, reconhecido como Patrimônio Mundial da UNESCO; já o National Museum of Nature and Science apresenta ciência em linguagem direta — meteoritos, dinossauros, tecnologia. Para completar, o Ueno Zoo é o zoológico mais antigo do Japão (1882) e segue cheio de programas educativos. Tudo isso dentro ou na borda do parque.

Juntos, esses espaços formam um verdadeiro corredor cultural, que transforma uma simples caminhada em uma jornada pela história da humanidade. É possível sair de uma galeria de porcelanas do século VIII e, em poucos minutos, encontrar esculturas de Rodin ou instalações de arte contemporânea. O visitante se move entre séculos e estilos sem sair da sombra das árvores — uma experiência que define o Ueno Park como um dos raros lugares do mundo onde a cultura respira ao ar livre, acessível, viva e em diálogo constante com o cotidiano da cidade.

O lago e o templo: Shinobazu como paisagem e espírito

O Lago Shinobazu é um mundo em três atos: lótus, aves e barcos. No centro, o Bentendō, santuário dedicado à deusa Benzaiten, descansa numa ilhota fotogênica. No verão, o tapete de lótus toma conta; no inverno, chegam as aves migratórias; o resto do ano, a água vira espelho para quem só quer respirar.

A cada estação, o lago muda de humor — e é justamente essa mutação que encanta os visitantes. Quando as flores de lótus se abrem, formam um mar verde e rosado que parece suspenso sobre a superfície da água, símbolo de pureza e renovação espiritual. Os pedalinhos coloridos deslizam lentamente entre as folhas, enquanto, ao fundo, o Bentendō se reflete nas águas tranquilas. Durante o outono, as árvores que cercam o lago se vestem de tons de cobre e dourado, e os fotógrafos ocupam as passarelas de madeira para registrar o reflexo das folhas, que parecem incendiar o espelho d’água. No inverno, o cenário se aquieta: bandos de patos e cisnes migratórios cruzam o céu, transformando o parque em um observatório natural.

Mas o Shinobazu é mais do que paisagem — é um espaço de espiritualidade cotidiana. A deusa Benzaiten, associada à sabedoria, à música e às artes, representa a fluidez da mente e o poder criativo da água. Muitos visitantes passam pelo templo para agradecer ou fazer pedidos antes de seguir o passeio, acendendo incensos e deixando moedas no altar. Há algo profundamente humano nesse gesto: em meio à metrópole acelerada, o lago oferece um momento de pausa e introspecção. A espiritualidade aqui não está nas palavras, mas no ritmo das coisas — no vento sobre a água, no som das carpas, no tempo que desacelera sem pedir licença.

Contemplação como infraestrutura

Enquanto parques ocidentais costumam ser “palcos” de megashows, o Ueno Park trabalha no registro do silêncio: gente andando devagar, conversas baixas, templos e museus pontuando o percurso. É um desenho que convida mais a olhar do que a performar — e que funciona como contrapeso à densidade de Tóquio. Uma política pública tão sutil quanto decisiva: garantir tempo de qualidade em meio à metrópole.

Essa forma de planejar o espaço urbano traduz um princípio tipicamente japonês: o da harmonia entre movimento e pausa. O parque não é pensado como uma fuga da cidade, mas como uma continuação dela em outro ritmo. Bancos estrategicamente posicionados diante dos lagos, jardins secos que se abrem em clareiras, trilhas que conduzem o olhar em vez de apenas o corpo — tudo ali foi concebido para criar uma experiência de presença plena. Não há espetáculo nem urgência; há uma pedagogia do tempo. O Ueno ensina, em silêncio, que o descanso também é uma infraestrutura urbana, e que o bem-estar coletivo depende tanto do som dos trens quanto do intervalo entre um trem e outro.

Por que o Ueno Park importa hoje

O Ueno é parque‑infraestrutura: saúde (sombra, água, caminhada), cultura (museus de classe mundial), educação (zoológico e ciência) e memória (templos) funcionando como rede. É onde a cidade ensina sem levantar a voz — e lembra que planejar áreas verdes é planejar uma vida urbana mais humana.

Guia rápido (planeje sem pressa)

  • Quando ir: floração das cerejeiras (fim de março e início de abril) para o hanami; outono para folhas avermelhadas; verão para os lótus do Shinobazu.
  • Como chegar: Ueno Station (JR) e Keisei‑Ueno (Keisei Line). Entradas principais a poucos minutos do metrô. Horário do parque: 5h–23h.
  • O que ver: Tokyo National Museum, National Museum of Western Art (UNESCO), National Museum of Nature and Science, Ueno Zoo, Shinobazu Pond e o Bentendō.

Conheça o Ueno Park na reportagem do NHK World

Para mergulhar ainda mais na história e nas curiosidades desse refúgio verde no coração de Tóquio, vale assistir a uma reportagem especial do NHK World, o serviço internacional de rádio e televisão da empresa pública japonesa NHK. O vídeo, disponível no YouTube, conduz o espectador por um tour histórico e cultural pelo Parque Ueno, inaugurado em 1873 e considerado um dos mais antigos da cidade.

A reportagem revisita as origens do antigo templo Kan’ei-ji, fundado em 1625 para proteger o Castelo de Edo das “más influências” vindas do nordeste — uma crença espiritual comum no Japão feudal. O tour passa também pela estátua do Grande Buda de Ueno, que hoje conserva apenas o rosto, após repetidas destruições ao longo dos séculos, e pela famosa alameda de cerejeiras, onde mais de mil árvores florescem a cada primavera.

O vídeo destaca ainda a influência ocidental que marcou o Japão do período Meiji, visível na arquitetura dos museus e nas coleções artísticas dentro do parque. E, em um capítulo saboroso, revela como a modernização chegou também à mesa japonesa: pratos como o arroz Hayashi, de origem ocidental, nasceram justamente dessa época de trocas culturais, parte de um esforço nacional para fortalecer a dieta e o corpo dos japoneses.

Fonte: antena1

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