Cabeça feita: o retorno triunfal do lenço, símbolo cultural inescapável

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Um lenço de cabeça nunca foi apenas um pedaço de pano, nem mesmo no tempo da Grécia e da Roma antigas, usado para proteção do sol e da chuva. Não demorou para virar símbolo de status social e religião. Em comunidades africanas, tê-lo a cobrir os cabelos é sinônimo de alguma distinção financeira. Em países muçulmanos, o hijab é símbolo de modéstia e observância de crença. Durante a Segunda Guerra, as mulheres britânicas levavam a cabeça coberta para firmar a imagem das operárias que iam à luta cotidiana enquanto os homens morriam nos fronts. E então Hollywood tratou de fazê-lo marco de glamour e charme, por meio de atrizes como Audrey Hepburn (1929-1993) e Grace Kelly (1929-1982), que o ostentavam de forma sofisticada, combinando-o com óculos de sol — ambas o levavam no estilo conhecido como babushka, vovó em russo, com um nó sob o queixo. Nas décadas seguintes, o acessório foi adotado pela contracultura, com hippies e músicos como Axl Rose, do Guns N’Roses, e Steven Tyler, do Aerosmith, transformando-­o em estilo boêmio e livre.

A novidade, agora, no eterno vaivém da moda: a peça, que parecia coisa de antigamente, tão atrelada ao século XX, voltou com tudo. Grifes de luxo apropriaram-se do acessório e o elevaram à categoria de peça desejada e indispensável para compor um visual moderno. A Hermès, que nos anos 1940 fizera do carré, o lenço na forma quadrada, um dos itens mais icônicos daquele tempo entreguerras, tratou de reinventá-lo, em cores vivas. Gucci, Jacquemus e Chanel também apostam na releitura dos lenços amarrados na cabeça. “Claro, ainda há o uso como peça de proteção diante do clima, do frio e da poeira, mas agora o que vale mesmo é o aspecto estético”, diz o estilista Lino Villaventura, com a necessária ironia.

ÍCONE - Grace Kelly, a atriz que depois virou princesa: babushka
ÍCONE - Grace Kelly, a atriz que depois virou princesa: babushka (Anwar Hussein/Getty Images)

Como sempre, um modo de constatar a onda é olhar um pouquinho para além das passarelas, na infinita ágora das redes sociais, de mãos dadas com os famosos. A atriz e modelo britânica Anya Taylor-Joy, sempre em sintonia com o mood retrô, foi fotografada com um lenço de seda verde, lembrando imediatamente as divas do passado. Rihanna, por sua vez, trouxe o toque moderno e irreverente ao usar o lenço sobre um boné, criando um contraste de referências que só ela conseguiria sustentar com tanto estilo. Já Isis Valverde apostou no formato de bandana, clara referência ao espírito rebelde dos anos 1990, mas com a delicadeza brasileira.

Não se deve desdenhar, também, da evidente facilidade de uso, atalho para crescimento do fenômeno. Um lenço pode virar turbante, faixa, bandana, cobrindo todo o cabelo ou apenas como detalhe. Adapta-se ao humor, ao clima e ao jeito pessoal de quem o veste. Exige-se, contudo, atenção, porque não é sair por aí, sem o devido cuidado. “Tem que saber amarrar direito um lenço na cabeça”, diz Villaventura. Não é difícil aprender, e cada nó, cada dobra e cada amarração pode carregar memórias de um tempo passado e criar novas histórias de estilo. Como anotou Yves Saint Laurent, em uma de suas reflexões sobre o poder dos elementos simples: “Um lenço não é apenas um acessório; é uma moldura para o rosto, um detalhe que muda tudo”. Dito de outro modo: tem o luxo das coisas mais simples, requisito fundamental de um tempo, o nosso, em que a ostentação virou postura cafona e descabida.

Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960

Fonte: veja.abril

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