Por que Elizabeth II foi a rainha do estilo

ModaPor que Elizabeth II foi a rainha do estilo

Entre todas as mulheres que ocuparam o Palácio de Buckingham, nenhuma vivenciou tempos tão vertiginosos quanto Elizabeth II (1926-2022). Coroada em 1953, com o mundo dividido pela Guerra Fria, ela enfrentou a independência das colônias, a perda de relevância do Reino Unido no cenário internacional, além de diversos escândalos envolvendo seus herdeiros, que puseram em xeque a existência da própria monarquia que representava — e quem há de esquecer do caso extraconjugal de Charles com Camilla Parker Bowles, hoje rei e rainha consorte? De quebra, assistiu à revolução sexual, à queda do Muro de Berlim, à chegada do homem à Lua, à invenção da internet e das redes sociais. Tudo sem jamais perder a pose nem a majestade. O centenário de nascimento, em 2026, é faísca para uma sucessão de tributos com a devida pompa e circunstância.

Um deles acaba de ser anunciado: a maior exposição já feita sobre o extenso guarda-roupa de Elizabeth II. Ocorrerá em Buckingham, no início do próximo ano, em data ainda a ser definida. Serão mais de 200 itens, entre vestidos, colares, chapéus e bolsinhas. Na aparência, seria apenas um festival de modelos, espetáculo de elegância, mas representa muito mais: é a moda a serviço de um manifesto, na peculiar linguagem não verbal expressa pelo figurino. Ao mesmo tempo que suas peças de roupa emanavam tradição e legitimidade, precisavam refletir a exigência de guardar suas opiniões, imposta por um regime constitucionalista, em que a Coroa divide o poder com a caneta do primeiro-ministro. Traduzindo para o dicionário do estilo: ser marcantes, mas não espalhafatosas.

TRADIÇÃO - Como dama de honra, aos 8 anos: sempre na imprensa e elegante
TRADIÇÃO - Como dama de honra, aos 8 anos: sempre na imprensa e elegante (Royal Collection Trust/.)

Longe de figurar como peça decorativa, Elizabeth II entendeu como poucos que sua silhueta poderia dizer muito nos 300 eventos públicos aos quais fazia questão de atender todos os anos. Os vestidos discretos, mas coloridos, os trajes de gala ostentados nas ocasiões especiais — que começou a desfilar publicamente aos 8 anos, quando foi dama de honra do casamento de um tio — e a sóbria indumentária que utilizava nos momentos reservados fizeram mais do que suscitar uma saudável dose de deslumbramento. “Suas roupas serviam para transmitir mensagens”, disse a VEJA Caroline de Guitaut, curadora da exposição.

Não é exagero dizer que Elizabeth se tornou uma hábil e dedicada praticante da diplomacia do vestir. Assinado por Norman Hartnell, estilista que a acompanhou até morrer, em 1979, o vestido do casamento com o príncipe Philip foi inspirado na primavera, para projetar sentimentos de esperança, dois anos depois da sangrenta e invernal Segunda Guerra Mundial. O modelo da coroação, por sua vez, incluiu nos bordados da saia bufante elementos da flora de membros da Commonwealth, grupo de países que faziam parte do Império Britânico e ainda seguem debaixo do guarda-chuva real. “Foi um gesto de respeito”, diz Guitaut. Entre outros notáveis exemplos da coleção está um vestido branco criado para um banquete de Estado no Paquistão, em 1961, que leva as cores da bandeira nacional em um exuberante drapeado verde-esmeralda nas costas.

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DIPLOMACIA - O vestido da coroação: bordados com elementos da flora da Commonwealth
DIPLOMACIA - O vestido da coroação: bordados com elementos da flora da Commonwealth (Jon Stokes/Royal Collection Trust/.)

As ideias para politizar a vestimenta, na maior parte das vezes, partiam da própria rainha, como fica claro em bilhetes que também estarão expostos. Ela trocava essas mensagens com a equipe encarregada de vesti-la, formada por doze serviçais — incluindo um camareiro, três estilistas, um alfaiate e um chapeleiro. Com habilidade para inovar, ela sabia como poucos magnetizar a atenção da imprensa para passar recados, como na ocasião em que visitou a Irlanda, quase um século depois de o país se separar do Reino Unido em uma amarga guerra civil. O vestido, adornado com trevos, exibia um broche no formato da harpa irlandesa. “São sinais de que estava atenta às mudanças dos tempos, mais críticos à história da colonização e ao imperialismo”, diz a socióloga Jacque Lynn Foltyn.

Além de belo, o look tinha de fotografar bem e ser prático, com uso de tecidos que não enrugam, bainhas com pesos à prova de “momentos Marilyn Monroe”, casacos com cavas largas e uma bolsa diminuta, sempre vazia, para facilitar acenos e apertos de mão. Nas vestes do dia a dia, entre passeios com seus cães corgis (teve uns trinta) e cavalgadas nos castelos, optava por enaltecer marcas britânicas, com botas Hunter, jaquetas Barbour e sobretudos Mackintosh. Uma raríssima concessão era oferecida aos lenços da francesa Hermès, para compor um visual mais próximo da classe média dos anos 1950 do que da aristocracia. “Ela se aproximou das pessoas comuns sem se distanciar da realeza”, afirma a historiadora real Sue Woolmans. Nos eventos oficiais, os tons vibrantes cumpriam o objetivo de destacá-la na multidão. Os guarda-chuvas transparentes e chapéus de aba curta eram projetados para manter o rosto à mostra. “Tenho que ser vista para que acreditem em mim”, pontificou ela certa vez. Desde que ascendeu ao trono, aos 25 anos, Elizabeth II se vestiu para cumprir tal propósito. God save the queen.

Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2025, edição nº 2955

Fonte: veja.abril

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