Costanza Pascolato reflete sobre o projeto de lifestyle ‘made in Brazil’ de Airon Martin

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Com uma visão multidisciplinar de moda e design, Airon Martin potencializa a identidade da marca Misci com conexões e diálogos

Encontro o designer Airon Martin na bela loja da Misci, na região dos Jardins, em São Paulo, e logo entendo porque um dos amigos de Martin costuma dizer que ele é o “Airon do sussurro”. A fala tranquila evidencia uma habilidade notável para o diálogo. “Esse amigo diz isso porque sabe do meu trabalho no backstage”, afirma o designer, citando os bastidores do business na trajetória de sua marca. Criada em 2018 como trabalho de conclusão de curso no Istituto Europeo di Design, a grife segue, seis anos depois, em plena e extraordinária ascensão.

Com roupas, acessórios e mobiliário, a Misci tem frequentado a casa e o closet de muita gente bacana e dá o que falar na mídia, nas redes e na vida real. A marca se confunde com a história de Martin, mato-grossense nascido em 1992. Da geração Y, a dos millennials, os nativos digitais, ele cresceu no interior do país, cercado por mulheres – a mãe e a avó, em especial. Desenhava vestidos e convivia com diferenças de toda ordem. “As marcas grandes têm muito trabalho para se incluir dentro dos princípios do novo mundo, diverso. Eu nasci e cresci nesse mundo.”

O nome Misci, para quem ainda não sabe, é um neologismo a partir da palavra miscigenação, a mistura de muitas etnias, como a que acontece no Brasil. “É o que nos dá o melhor valor. Meu teste genético tem índio da Amazônia, belga, francês, África. A nossa formação se dá a partir disso e sempre quis trabalhar essa identidade como estilo de vida. Hoje, já nem sei mais o que sou eu e o que é a Misci”, diz Martin. Essa “confusão” não é um problema. Ao contrário, sintoniza com outra percepção intuitiva que ele sempre teve, a de que veio ao mundo a trabalho.

“Gosto de fazer vestido, bolsa e poltrona. Quando estou cansado do vestido, parto para a poltrona. Minha formação é em design de produtos e serviços, não em design de moda. E sempre entendi que, para trabalhar com design, eu tinha que ser multidisciplinar”, afirma. Além de trabalhar muito, Airon dialoga com todo mundo. Depois de um sonoro “não” de um potencial fornecedor, ele conversou, conversou e não só conseguiu reverter a situação, fazendo-o mudar de ideia e aceitar o pedido, como ainda ouviu do fornecedor que ele que gostaria de ser sócio de Martin por acreditar no projeto – da Misci, no caso. É com esse poder de convencimento, sussurrando ou desenhando ideias sedutoras, todas executadas com capricho, que o designer consegue ótimas parcerias/colaborações e mobiliza atenções em torno do desejo e da ambição de um lifestyle made in Brazil.

“O que me motiva pessoalmente e profissionalmente é apresentar esse Brasil diferente, que também tem um potencial de execução absurdo. Por isso, precisa deixar de ser visto como um país que só produz chinelos, caipirinha, Carnaval e corrupção. Somos, sim, capazes de fazer produtos premium, de luxo”, ele diz. “O industrial quer escala, sempre a maior metragem de tecido pelo menor preço. E o que nos interessa é mudar a cabeça do fornecedor dizendo que ele pode fazer menos e cobrar mais, se fizer melhor.”

Na trajetória de sucesso, a influência de consumidores notórios ajudou a projetar a Misci para outras dimensões, definindo um case dos sonhos na indústria da moda. O que, afinal, a atriz Bruna Marquezine, a apresentadora e empresária americana Oprah Winfrey, a primeira-dama do país, Rosângela Lula da Silva, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a cantora espanhola Rosalía (que fez o boné Mátria Brasil virar hype), o cantor Sam Smith e a DJ sul-coreana Peggy Gou têm em comum? Todos viram, gostaram, vestiram e vieram a público usando criações de Martin, o que potencializou brilhantemente o interesse e a audiência.

O designer de 32 anos lembra que, quando começou, sua primeira coleção tinha uma jaqueta, uma banqueta, uma cadeira e uma camiseta. “E, logo depois, introduzi uma cachaça”, afirma. “A embalagem da nossa cachaça ficou em segundo lugar em um concurso nacional, só perdemos para uma embalagem da Ambev”, afirma, autoconfiante, referindo-se naturalmente aos grandes players, com os quais também estabelece colaborações. Airon mantém uma parceria como a marca de cerveja Heineken, de alcance global, que aparece, entre outras, nas plataformas digitais da Misci.

“Converso com muitos empresários, banqueiros, políticos, tentando trazer visibilidade para o que acho que o Brasil perde por causa da dificuldade que temos de empreender. E a moda tem esse papel, esse poder de posicionar a marca, a imagem de um país”, ele diz. “A Misci vende o orgulho de um país, um pequeno recorte de um Brasil que merece ser visto lá fora.”

Não por acaso, as parcerias já ultrapassam fronteiras. A marca atraiu, por exemplo, a canadense Nudestix, conhecida por seus sticks de maquiagem multifuncionais, e a Authentic Beauty Concept, da alemã Henkel, com produtos de cabelo cujo slogan é “achar beleza na simplicidade”, para viabilizar, em abril, o desfile espetacular no pavilhão da Bienal, com participação da cantora Ivete Sangalo – fechando o show como modelo deluxe – e uma avalanche de imagens e comentários circulando nas redes e na imprensa.

Na passarela, o sussurro do designer vira uma coleção de flertes minimalistas com peças femininas e masculinas, versáteis e atemporais, para deletar a ideia de tendência – que Martin detesta. Com raciocínio que segue a velocidade contemporânea, o designer faz, sem alardes ou clichês, outro mergulho profundo no país-inspiração e mostra que a beleza está nos detalhes.

Nos tons de terra, na modelagemampla e fluente que se adequa às linhas retas e às curvas da locação modernista projetada por Oscar Niemeyer, na sutileza bordada sobre traços e símbolos criados por Jaime Lauriano, pesquisador das estéticas da negritude – e do seu “apagamento e marginalização”, como ressalta a Misci –, nos calçados feitos em colaboração com a Botti ou na dobradinha reverência afetuosa e chique coma estilista Lenny Niemeyer, referência nacional da melhor moda praia.

As criações também destacam matérias-primas nacionais: o uso da folha orelha-de-elefante, um “biotecido” com características similares ao couro animal; o “não couro” Be Leaf na cor “azul nobre”, feito especialmente para a marca – ambos desenvolvidos em projeto-parceria com o curtume orgânico Nova Kaeru – ; e o de um papel vegano, em colaboração com a Papelaria Estúdio Design. Tudo em roupas e acessórios bem bonitos, mostrados para uma lista de convidados eclética Martin diz que muitos fashionistas não gostaram da composição do front row do show, que incluía, além de artistas e profissionais da moda, influenciadores de outras áreas, comsuas dezenas de milhões de seguidores. “A moda é nichada e as pessoas acham que tenho que incentivar só quem comunica moda. Só que não. Não quero que a Misci só fale de moda. Para mim, outras pessoas têm que estar lá. Elas têm um papel de comunicação e de abrangência que foge do nicho. E consegui furar a bolha, gerando o desejo de irem ao meu desfile, o que já é muito legal.”

Pensando no Brasil amplo e único que Martin quer refletir, pergunto como ele se vê da janela e no espelho, reproduzindo uma questão que ouvi no rádio, a caminho do nosso encontro, escutando música brasileira da melhor qualidade. “Acho que o meu trabalho tem dado certo porque procuro me ver na janela da mesma forma como me vejo no espelho. Obviamente que, da janela, o enquadramento é outro. Vejo apenas parte de mim, que também é mais ou menos como a sociedade nos enxerga. No espelho, dá para ser visto totalmente, de corpo inteiro.”

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